quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Nádia Maria: ut photographia poesis


Nádia Maria, Do projeto/série «Origins», 2015.


Ut pictura poesis é um velho adágio do poeta romano Horácio que compara a pintura à poesia no seu propósito de apelar a algo que persegue toda a expressão artística. Durante o período do Renascimento Clássico, no século XVI, o princípio horaciano dividiu os pintores italianos; enquanto os florentinos faziam a distinção entre as duas artes, os venezianos aproveitavam a comparação para estabelecer a ligação entre a pintura e a poesia. No século XVII, com a ascensão do Barroco, o conceito extravasa as fronteiras italianas e torna-se um princípio da crítica da arte entre os teóricos franceses e ingleses, indo, por exemplo, da defesa do paralelismo entre as duas artes à supremacia de uma sobre a outra. Sobretudo porque se tratava ainda de elevar a pintura à categoria de arte liberal. Hoje, aqui, esse princípio interessa-nos porque ele proporciona, convenientemente adaptado, uma das chaves para a aproximação à fotografia de Nádia Maria. Diga-se, desde já, mais na intersecção das artes do que na sua distinção.

Nádia Maria é uma fotógrafa brasileira nascida em 1984, em Bauru, São Paulo. Ela começou a fotografar aos 7 anos, com a câmara fotográfica do seu pai, fazendo fotografias das suas bonecas. Com o passar dos anos, ela estudou e explorou a fotografia e aos 18 anos fez o curso de Fotografia do SENAC/Brasil. A sua relação com a câmara fotográfica e as imagens que capta também nasceram durante a infância, mas tornaram-se mais profundas na adolescência, servindo-lhe como um diário íntimo dos seus sentimentos e transformações pelas quais passava durante cada fase da sua vida. Com uma personalidade introspectiva, o foco da sua inspiração está na poesia, e ela tem a fotografia como a sua escrita, os seus sentimentos mais íntimos, a escuridão e a luz da sua vida. Um certo barroquismo, um movimento ascensional pictórico (de raiz veneziana?), o tenebrismo e o monocromatismo cruzam-se com o trepidar dos corpos nas exposições longas, nas múltiplas exposições e nas sobreposições evanescentes que são a matéria informe das suas imagens.

A imagem que partilhamos no blogue e as que a acompanham no Instagram e no Tumblr da Fotografa Jovem Portuguesa e do Mundo Lusófono pertencem ao projeto/série «Origins», que tem o seu princípio na luz. Segundo a artista, «Através da luz nós podemos ler toda a história do Universo, que é a nossa história carregada pela luz. A luz é a nossa conexão com o Cosmos. "Origins" retrata um diálogo íntimo com o tempo e a realidade. Fala sobre a formação dos corpos, a identidade diante do espelho e as faculdades ocultas que regem os órgãos. Esta série narra um diálogo sobre uma história já concluída, da qual ainda desconhecemos o início e o fim e foi inspirada pela fase em que atravessei na minha vida diante do nascimento de minha filha e a deficiência visual com que ela nasceu.» 

F. J.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Maria Côrte-Real: a fotografia e as problemáticas da identidade feminina



Maria Côrte-Real, IDEM + ID, 2013 [Película de 35mm. Impressão de prata, 40x50cm].


«A identidade é como um trabalho doméstico: “faz-se, faz-se, e nunca se tem nada pronto”.» Assim começa Maria Côrte-Real por definir o seu projeto de trabalho sobre a construção da identidade feminina aqui apresentado. IDEM + ID (2013) é um projeto de fotografia encenada que procura problematizar o eterno recomeço da definição da identidade da mulher através da performatividade diante da câmara fotográfica. Numa pesquisa estética que nos conduz a um certo sentido de surrealismo e de absurdo a partir da justaposição de diferentes elementos numa mesma imagem, a artista vai-nos sugerindo conceptualizações de diferentes estados de mulher, partes de um processo de metamorfose contínua. 

Maria Côrte-Real nasceu em Coimbra, em 1983. Estudou Artes Visuais - Fotografia, na Escola Superior Artística do Porto entre 2010 e 2013, frequentando, atualmente, o Mestrado em Estudos Artísticos, com especialização em Estudos Museológicos e Curadoriais, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Participou em exposições coletivas, quer como artista quer como curadora. Profissionalmente, tem desenvolvido o seu trabalho de fotografia na área do Teatro e das Artes do Espetáculo. 

F. J.